O Controverso Mundo da Expansão da Consciência

Ao longo da história humana, a tarefa de expansão da consciência foi um privilégio de poucos, um trabalho exclusivo a membros muito específicos da sociedade. Nas tribos indígenas, há a figura tradicional do xamã, conhecido como pajé, no Brasil. Alquimistas, Sacerdotes, Monges e Profetas, são alguns dos títulos atribuídos em diferentes culturas aos exploradores dos limites da realidade conhecida. Até mesmo o papel do Filósofo é considerado excepcional, encarregado de desbravar as densas selvas virgens da mente e do espírito.

Ao longo dos séculos, também a utilização de substâncias enteógenas e alucinógenas desempenhou um papel profundo na expansão da consciência humana, a exemplo do consumo de cogumelos e de Ayahuasca por povos antigos ao redor do mundo. Na maioria dos casos, cada sociedade dava a apenas um indivíduo – ou grupo reduzido de indivíduos, a permissão de utilizar tais substâncias e assim realizar a jornada em busca de novos conhecimentos práticos e espirituais. A maior parte da comunidade não iria nunca encarar os limites da percepção conhecida, não iria nunca atravessar os portais psicodélicos e embarcar em viagens astrais e xamânicas.

É somente a partir do século 20 que a modernização e globalização crescentes da sociedade alavancam a produção em massa de substâncias alucinógenas. Apesar da crença de que Albert Hofmann descobrira o LSD ‘por acaso’, o cientista trabalhava em um avançado laboratório de Química na Suíça, em busca da síntese da molécula psicotrópica perfeita, tendo já realizado pesquisas com cogumelos alucinógenos. O contato físico do cientista com a substância, e a famosa trip consequente, possuem sim seu caráter acidental, mas a descoberta da molécula não é de forma alguma um erro de cálculo – como foi com o caso da penicilina.

Imagem: Alex Grey

‘Albert Hofmann’ por Alex Grey

Paulatinamente, desde sua descoberta em 1943, o LSD se torna a droga sintetizada em mais larga escala no mundo, até atingir seu auge de consumo nas décadas de 1960 e 1970. O movimento hippie norte-americano, em suas várias formas de contra-cultura, foi um precursor de inúmeras revoluções atravessadas pela sociedade moderna, desde manifestações culturais como o rock psicodélico, até o próprio advento da informática: considerando que foi Steve Jobs quem chegou ao conceito do PC, ‘computador pessoal’, em uma trip lisérgica. Isso tudo, antes da proibição total das substâncias psicodélicas atingir em cheio o movimento hippie no fim dos anos 1960.

O LSD tornava-se quase uma unanimidade entre psicólogos e psiquiatras, que haviam provado dos efeitos inéditos e reveladores da droga. Em entrevista, Albert Hofmann comenta amargurado, que o consumo desenfreado e sem parâmetros do LSD por parte da juventude norte-americana, conduzindo à proibição total da substância, foi responsável por frear abruptamente o avanço científico legítimo nos campos da psicologia humana. Toda as pesquisa científicas em território norte-americano, fosse com cogumelos, ácido lisérgico, DMT e outros princípios ativos, foi terminantemente vetada a partir de então; excluindo assim sua presença do mundo acadêmico, um prejuízo sem tamanho na opinião de Hofmann.

Inevitavelmente, apesar das regulamentações e punições severas a produtores, traficantes e usuários das substâncias, nada podia frear a revolução intelectual e espiritual que tomava forma em torno do LSD. A Califórnia tornava-se um pólo de produção intelectual e cultural, reforçando o poder do movimento hippie. A produção da droga continuava de forma ilícita, acarretando queda da qualidade, mas não impedindo alastrar-se por todos os nichos da sociedade. Este foi também o tempo em que vimos tantos grandes nomes sucumbirem na exploração dos derradeiros limites da psicodelia. Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, são apenas os mais famosos, dentre aqueles que encararam de frente os limites da psicodelia, sem controle, parâmetros ou moderação.

Jimi Hendrix

Jimi Hendrix

Transcender todas as fronteiras e padrões era o desígnio cósmico de tais personalidades, e a isso dedicaram-se até seu último fôlego, literalmente. Foram os lendários psiconautas do século 20, traçaram os primeiros mapas das terras desconhecidos de Catársia. Graças a eles, buscar a sabedoria do equilíbrio entre psicodelia e saúde, entre expansão da consciência e ‘funcionalidade social’, tornava-se um objetivo novo, superando todos os estágios anteriores, honrando as lições do passado e abrindo as portas de um novo horizonte.

Acelerando o tempo, chegando ao século 21 e ao momento presente, vivemos a Era em que o consumo de alucinógenos exibe muitas facetas, mais do que é possível catalogar. O consumo tornou-se excessivo por um lado, sem se importar com a procedência e a natureza daquilo que desencadeia a trip; por outro lado, refinou-se, alcançando um alto grau de espiritualidade e seletividade. Podemos citar, por um lado, eventos massivos em que as drogas sintéticas como o ecstasy, a cocaína e o MDMA são consumidas em larga escala, sem o mínimo embasamento e propósito; e de outro lado, várias culturas com conceitos sólidos de arte e evolução da consciência, vista em festivais alternativos, de consciência planetária e de música eletrônica.

Independentemente da tribo em que cada indivíduo se encaixa, é cada vez mais simples e acessível adquirir as controversas ferramentas de transcendência.Com qualidade e procedência duvidosas, com a marginalização da produção, ainda assim o consumo aumenta a cada ano no mundo. Da mesma forma, debates sobre a glândula pineal, viagens astrais, cura através de plantas medicinais; até mesmo a discussão dos conceitos que separam corpo e espírito: tudo é resultado de um longo caminho de refinamento de uma mesma história da psicodelia. A questão é, aquilo que até os anos 1990 era ‘coisa de louco’, agora é levado a sério, pesquisado e aprofundado pelo método científico moderno.

Certamente, a ignorância e a alienação relacionada ao uso de substâncias alteradoras de consciência continua ganhando espaço, especialmente em um mundo de valores baseados na competição e na satisfação pessoal individual, confuso e carente, desesperado e desconectado de si e do Todo. Entretanto, certamente ganha espaço também a noção do avanço, atingido pelo outro lado da moeda, pelos indivíduos e coletivos embarcando em heróicas jornadas, com intuitos elevados. Eles vêm de todas as tribos, são Artistas, Cientistas, Neo-xamãs, Homens e Mulheres de Espírito Livre que, por diversas razões, tornaram-se os Bandeirantes da Consciência Planetária. Aplicando a sabedoria de gerações anteriores, aprendendo a dosar devidamente a viagem, desenvolvendo novas escolas para o corpo e para a alma; a geração atual dos exploradores da consciência foca uma nova luz sobre as questões fundamentais da filosofia, da psicologia e da espiritualidade.

Evolui principalmente a liberdade de expressão e debate, trazendo à pauta o uso de alteradores de consciência em acordo com as leis nacionais. Afinal, por que fadar eternamente à ilegalidade as moléculas mágicas, ainda incompreendidas pela humanidade? Primeiras respostas a tais questões já possuem corpo e voz; um exemplo é a Marcha da Maconha, que almeja uma legalização embasada social e cientificamente. Outro caso, é da Igreja do Santo Daime e de instituições similares, trabalhabdi dentro da lei com os elementos de transcendência, cura e expansão espiritual, através do DMT. O uso da Ayahuasca, aliás, é um assunto que merece detalhamento, e por isso iremos retornar a ele na próxima Coluna.

Mestre Irineu

Mestre Irineu

Talvez um dia, atingir o estado de Unidade com a Totalidade do Universo, não seja mais considerado um ato de loucura, alienação ou desprezo pelas autoridades. Até lá, a complexidade da questão se desdobra em julgamentos de valor e conflitos ideológicos. Até que chegue, ou não, esse dia utópico de harmonia e liberdade, todos que sintam o chamado de tais experiências, terão de lidar com os encalços da desinformação e do preconceito. Seja como for, os obstáculos não os impedirão de seguir as trilhas astrais, em busca de verdades cósmicas.

Pessoalmente falando, desejo sempre um Renascimento em meio à Natureza, longe do zumbido incessante da cidade grande, fria e tão concreta. E é por isso que peço: uma pílula vermelha para viagem, por favor.