Reflexões sobre Plantas de Poder, Medicinas e Rituais Ancestrais da Floresta, Ayahuasca, Rapé, etc.

No Brasil, há um crescente aumento na frequência das experiências psicodélicas em diversos contextos. Isso se faz evidente pelo avanço constante na quantidade e proporção dos Festivais de Cultura Alternativa, Música Eletrônica e Espiritualidade, especialmente na região Sudeste.

Antes de seguirmos em frente, convém mencionar que a disponibilidade das substâncias psicoativas, independentemente de sua natureza e procedência, está já incorporada nos mais variados eventos, incluindo, além da Música Eletrônica, as festas de ritmos populares, do Sertanejo Universitário ao Forró, do Reggae ao Rock até o Funk de batidão.

Porém, direcionamos aqui nossa atenção a um contexto específico, tratando mais diretamente do movimento da Cultura Psicodélica, Xamânica e Espiritual, desenvolvido através dos festivais de Trance e também dos rituais com Medicinas Ancestrais da Floresta, como Ayahuasca, Rapé, e outros.

Observando o processo de expansão da ‘experiência psicodélica’ pelos vários meios socioeconômicos e culturais em nossa sociedade, percebemos também a crescente popularização da ‘experiência enteógena’. A enteogenia é caracterizada especialmente pelo contato com substâncias naturais, plantas de poder, e práticas ancestrais da floresta desenvolvidas por povos indígenas de inúmeras tradições.

Introdução: PSICODELIA ou ENTEOGENIA
O principal conceito abarcando as experiências enteógenas, é que a origem natural das substâncias conduz a um estado de expansão da consciência mais firme, transparente e espiritual. Citando a definição do termo ‘Enteógeno’ no Wikipedia:

“Alguns autores não consideram que a expressão enteogênico seja um mero sinônimo de psicodélico, já que nem todas as substâncias usadas num contexto sagrado provocam alucinações, e para diferenciar do uso de alucinógeno com finalidade lúdica. Os estados de comunhão com a divindade são característicos do uso tradicional de substâncias visionárias, não seriam igualmente alcançados com o uso de substâncias sintéticas (LSD, MDMA, etc) para fins recreacionais ou de prazer farmacológico.“

Ou seja, o foco principal das plantas de poder e medicinais ancestrais, é a Conexão com o Plano Divino, transcendendo a expansão da mente e da sensibilidade, para um novo patamar de troca de informações que vai além da familiaridade dos cinco sentidos.

Entre as medicinas e plantas de poder utilizadas por etnias no Brasil e no mundo e depois ‘popularizadas’ na sociedade, alguns dos exemplos mais conhecidos são: dos indígenas:
– o Rapé (pó fino de cinzas específicas e tabaco aplicado nas narinas por meio de um sopro),
– o Kambô (vacina ancestral do sapo verde da Amazônia com altos poderes imunológicos),
– a Sananga (colírio com princípio psicoativo extraído de um tubérculo nativo brasileiro);
outras das principais Plantas de Poder e Medicinas enteogênicas:
– o chá de Ayahuasca e suas variações, como Yagé, Uni, Nixipae, etc (combinação de cipó e folhas com princípio ativo DMT),
– a Changa (mistura de plantas para cachimbo com princípio ativo DMT),
– e também plantas e fungos com vários princípios ativos: Salvia Divinorum, Peyote, San Pedro (cacto), Jurema (semente), Lírio ‘Trombeta’ (flor, folhas), a cannabis em sua aplicação ritualizada, Cogumelos ‘mágicos’, entre outros.

Deve-se ressaltar que o estado psicodélico de expansão da consciência pode sim alcançar patamares ‘xamânicos’ ou ‘mediúnicos’; a diferença é que as plantas de poder, quando aplicadas em ritual apropriado, irão com bastante frequência despertar os mesmos estados espirituais, xamânicos ou proféticos.

TRIP ou JORNADA XAMÂNICA
Outra diferença importante, por exemplo, entre o LSD (psicodélico) e o DMT (enteógeno), é a maneira como os elementos químicos das substâncias interagem com a fisiologia humana. No caso do DMT, o cérebro irá consumir completamente as moléculas que entram no organismo, um efeito peculiar do cérebro exclusivo ao DMT; já o LSD levará mais tempo para se despregar do corpo, podendo até mesmo haver retenção de suas moléculas pelo organismo e assim o efeito de ‘dose cumulativa’, onde a substância ingerida no passado é somada à dose presente.

Outra diferença primordial entre as experiências: no caso da Ayahuasca, além de propriedades reconhecidas de expansão e revelação de um plano astral da realidade, há também a presença de propriedades curativas de imenso poder. Diferentemente da ‘trip’ com psicodélicos, a ‘jornada xamânica’ em rituais enteógenos oferece esse benefício essencial: Cura.

O leitor pode se perguntar ‘o que será curado, se não estou doente?’, e a resposta mais simples é: sempre há alguma coisa para ser limpa ou purificada do organismo, seja fisicamente, mentalmente ou energeticamente. As plantas de poder, aliadas ao conhecimento de ritos ancestrais, provêm uma purificação impressionante de nosso ser.

Por um lado, a experiência psicodélica pode trazer novas percepções, novas ferramentas para a psicologia e a criatividade; e um explorador consciente será capaz de transportar suas libertações e descobertas no estado psicodélico para sua vida cotidiana, beneficiando-se a longo prazo. Já no caso da experiência xamânica e enteogênica, haverá um estudo aprofundado mais em si mesmo, um movimento direcionado ao interior e à essência eterna, além do ganho em concentração e transparência para que a conexão com as forças da Natureza torne-se cada vez mais ativa.

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BAD TRIP ou PÊIA
Outro fator presente no estudo das medicinas ancestrais e plantas de poder, é a chamada ‘pêia’. A pêia, dentro da enteogenia, seria o termo equivalente a ‘bad-trip’ na psicodelia. Porém, elas não poderiam ser mais diferentes entre si.

Na mesma medida em que a bad-trip traz a noção de ‘exagero, passei dos limites’, a pêia repousa no consolo de que ‘o sofrimento é cura, limpeza’. Na prática, isso transforma a maneira como se lida com o momento de dificuldade da experiência, pois na bad-trip há um estado de pânico e agitação, ao passo que na pêia há a garantia de que o desconforto é para seu próprio bem, por mais intenso que se torne.

Após o momento de dificuldade da pêia, porém, o espírito aflora e um novo portal para conexão com a essência do ser é aberto. Diferentemente da bad-trip que pode traumatizar o indivíduo, o momento de pêia em um ritual com Ayahuasca é uma benção em andamento, apesar das dificuldades eventualmente encontradas. Isso porque na maioria dos casos, após o processo de purificação do corpo, o indivíduo estará apto a receber uma nova dose do chá e completar sua jornada devidamente, contando então com momentos de elevação, ‘recompensa e êxtase’ após os desafios superados.

Os procedimentos tomados em cada situação para o preparo e a consagração, deverão incluir um momento de abertura do ritual, e da mesma forma um momento de encerramento. Finalmente, após a jornada há o retorno a um plano dimensional mais ‘familiar’ aos sentidos, as conexões espirituais estabelecidas no trabalho são reconhecidas e agradecidas, e o fechamento do ritual sela a experiência enquanto devolve a consciência purificada à sua ‘normalidade prévia’ relativa.

Os benefícios dessa purificação, naturalmente, prolongam-se após a sessão, aliados a um movimento de aproximação entre o ‘ego’ e a ‘alma’; em outras palavras: torna-se mais próxima a visão espiritual do mundo, mais transparentes as ações que realmente desejamos tomar, facilitando nossa atuação no mundo como seres espirituais em evolução, em contato com nosso propósito de vida.

É IMPORTANTE LEMBRAR que cada organismo reage de forma diferente ao processo de limpeza e cura. O objetivo é esclarecer aspectos intrínsecos ao uso das plantas de poder, informando e auxiliando na preparação mental e emocional necessária para encarar os processos desafiantes mais específicos dos rituais. Reunimos a seguir algumas noções básicas importantes para os primeiros contatos com as medicinas mais tradicionais:

RAPÉ: busque sempre um local silencioso, de preferência em meio a natureza, especialmente para receber seu primeiro ‘sopro’ do rapé. Durante a aplicação, deve-se segurar o fôlego selando a garganta para não engasgar, e após o sopro respirar pela boca. Depois de receber o rapé em ambas as narinas, sinto o efeito com calma, assoe o nariz e cuspa a saliva excessiva, posteriormente lavando com água abundante as cavidades nasais para garantir uma limpeza completa.

CHANGA: assim como com as outras medicinas sagradas, priorize sempre condições gerais para que se mantenha um estado de ritual, preparando sua mente assim como o ambiente escolhido, antes, durante e após a consagração com o cachimbo. Uma sessão de meditação, incluindo música e cânticos sagrados, pode ser uma ótima forma de preparação para que o momento seja conduzido conectado plenamente com a força da cura. Durante o processo do efeito, busque relaxar o corpo de forma geral, mas também manter uma postura ereta, assim aliviando a respiração e a pressão sobre o coração e órgãos.

AYAHUASCA: lembre-se que os ensinamentos guardados pelas plantas de poder, promovem a purificação e evolução através de um processo de cura, ou seja, prepare-se para trabalhar o cosmos interior de si mesmo. É muito importante consagrar o chá sob a condução de indivíduos qualificados e em locais apropriados; dê preferência a um xamã ou padrinho com pelo menos 10 anos de experiência conduzindo trabalhos espirituais. Respeite seus próprios limites e explore com prudência as fronteiras de seu Eu Superior, pois  o processo de ‘aprendizagem de voo’ é árduo, com as novas asas de luz que a cura da planta de poder irá prover; no mais, esteja atento para contemplar e entrar em comunhão com as belezas reveladas no ritual.

GANJAH: a cannabis, mesmo sendo amplamente utilizada em inúmeros contextos, sempre demonstrou seu caráter espiritual, devendo ser tratada como planta de poder e sagrada medicina; a consagração em meditação silenciosa costuma revelar pensamentos e insights profundos, de outra forma atropelados pela energia da ‘tagarelice’; aproveite o momento para conectar-se com aquilo que inspira sua criança interior, reserve o momento para liberar sua criatividade, por exemplo, em um hobby saudável e revitalizante, estudando um assunto de interesse ou praticando hábitos saudáveis que colaborem com o momento de expansão e de sensibilidade sutil.

Conclusão: NA VIBE ou NA FORÇA pipe-smoker
Seja curtindo na Vibe em sua festa ou festival favorito, ou seja trabalhando na Força em seu grupo ou chamado espiritual, lembre-se sempre de respeitar todos os níveis e estágios de evolução e consciência.

Mais do que simplesmente respeitar dentro de si mesmo a evolução de seu ser: respeitar também o tempo e o fluxo de cada um além de nós, que chamamos ‘outro’. No fundo, o ‘outro’ é apenas uma ilusão estabelecida pela mente racional, uma conveniência social que cabe em um determinado sistema de administração da vida.

A verdade é que todos seremos sempre crianças, eternas crianças brincando no jardim da vida. E a maturidade que tanto buscamos é exatamente o reencontro com a seriedade das brincadeiras da infância. A maturidade é compreender que seremos sempre inocentes no esquema maior da existência, e que amadurecer é tornar-se conscientemente inocente.

Com o respeito pelo próximo, prospera nossa capacidade de interação, alongam-se os braços de nossos abraços; com o respeito pelo tempo de cada um, compreendemos mais e mais a nós mesmos; e com a harmonia do coração e dos pensamentos, revela-se a gratidão pelo dom da vida em cada ação e emoção. Respire profundamente, eleve sua postura e mantenha-se firme em seu eixo: a Cura já está acontecendo.