Reflexões sobre Psicodelia, Raves, Festivais & Música Eletrônica

Há uma obsessão humana por dar nomes às coisas, o próprio mundo moderno se sustenta na lógica que as palavras carregam. Boa parte do tempo porém, passamos indiferentes aos preconceitos que as palavras emprestam aos fatos do cotidiano.

São várias as formas de tratamento linguístico aplicadas às substâncias com efeitos alteradores de consciência, podendo ser denominadas como ‘alucinógenas’, ‘psicotrópicas’, ‘enteógenas’, ou ‘psicodélicas’ de acordo com a abordagem de cada pesquisa científica. O termo científico reflete uma intenção original na terminologia, por isso teremos resultados diferentes ao tratar um objeto com maior ou menor respeito e familiaridade. É como dar um apelido mais amigável ao novato, o que certamente ajuda a integra-lo ao grupo.

A física quântica encara o mesmo problema filosófico transcendental. Hoje sabemos que o olhar do observador cumpre um papel direto na construção da realidade observada, sabemos que a consciência não é apenas um fenômeno posterior isolado em nosso cérebro. As pesquisas com sub-partículas mostram que, apenas no momento exato em que a partícula for observada pelo cientista, ela deixará de se comportar como uma onda flutuante, ou um ‘feixe de possibilidades infinitas’. Somente ao ser inserido um observador pode-se averiguar o ponto definitivo de chegada da partícula. É um novo poder conquistado pelo clássico ditado: ‘a beleza está nos olhos de quem vê’.

Outro caso são as espécies animais e vegetais que conhecemos como ‘pragas’ e ‘pestes’, sejam de plantas ‘daninhas’ ou animais, como ratos, pombos, gafanhotos, etc. Estudos mostram que as super-populações de animais e insetos costumam se formar a partir de grandes desequilíbrios ou anomalias ecológicas, geralmente causados pelas práticas humanas inconsequentes. A ‘praga’ existe devido à monocultura, em termos simples, o exagero humano força ao exagero da natureza. Essas mesmas espécies também são denominadas ‘corretores’ ou ‘corretivos’, pois suas infestações harmonizam ou restabelecem o equilíbrio de um amplo ecossistema. É fato que, sem os ratos e baratas, as cidades não poderiam sobreviver.


O mesmo acontece na psicologia, na filosofia, e através dos ramos da arte e da cultura. Diferenças sutis entre conceitos similares gerando paradoxos éticos e dilemas morais. Em se tratando das religiões e diferentes nomenclaturas para ‘Deus’, são tantas as cosmologias que o assunto exige um ensaio à parte. Então, como definir a fronteira delimitando a experiência de expansão da consciência justificada, separando-a da mera dispersão de energia em impulsos despropositados? Como categorizar aquilo que justifica, ou deixa de justificar, a vida de cada um de nós? Isso certamente parece impossível, senão a uma presença onipotente. Que cada um possa observar a si mesmo, enquanto há tempo.

Os termos ‘Rave’ e ‘Festival’, amplamente usados e discutidos em contextos específicos, referem-se a encontros celebrativos de um ou mais dias, em meio à natureza, com música eletrônica psicodélica e um transe coletivo de dança e libertação. A diferença original entre a ‘balada’ e a ‘rave’, é que na balada as atividades sociais de interesse são a paquera, a pegação. Naturalmente, a interação social é de imensa importância nas raves e festivais, entretanto há um propósito maior, no encontro com a pista de dança, com a maratona cósmica do dance-floor. Há a reunião de uma família, a manifestação de uma realidade consciente.

De onde virá a necessidade de dançar? O que leva indivíduos à necessidade da muralha de potentes falantes sonoros no mais alto volume? De onde nasce a vontade de arrebentarem-se os tímpanos invencíveis no ‘espanco ao-vivo sem massagem’? Serão duelos de coragem, aqueles travados no dance-floor? Serão pequenos heróis, os que populam as esquinas coloridas de feirinhas artesanais estendidas sobre cangas? Certamente, se existe uma paz profunda que está ao alcance de todos, ela reside no passo de dança fluídico e leve.


Logo, compreende-se que o festival, em si, não traz a alegria. A festa não comporta em si a alegria dos participantes. Em realidade, o festival é a consolidação de uma vontade inevitável, é a materialização de um sonho secreto, é a cristalização de uma necessidade compartilhada. Necessidade, de quê? De redenção? De relaxamento? De destruição e reconstrução? Necessidade de evolução, de prazer, de êxtase em comunhão artística com o plano divino? Como diz o poeta: “Há muitos tipos de ouvidos, há todos os tipos de ouvidos.”

Nas lendárias sagas da Catársia porém, novos instrumentos são apreendidos através da experiência psicodélica. Ferramentas emocionais, intelectuais, espirituais, para um maior bem-estar da humanidade, para o desenvolvimento de uma sensibilidade mais apurada, cristalina. De Jimi Hendrix a Steve Jobs, da era da informática até a estrutura do DNA, o mundo moderno é inegavelmente fundamentado em experiências com substâncias alteradoras de consciência. Infelizmente, não há uma fórmula para a genialidade, tanto quanto nunca haverá uma fórmula para o Amor. Serão sempre as pequenas atitudes, que irão refletir a validade das explorações, das olimpíadas transcendentais na pista de dança.

No auge da avalanche do compasso musical, aprendemos lições sagradas, e temos de traze-las para dentro, carrega-las conosco, de volta ao lar. Temos de agarrar pelos cabelos com toda a força o clímax da revelação. Para que possamos mastigar a epifania, engoli-la, digeri-la. Para que possamos carregar os sorrisos, os risos, as lágrimas, os sossegos, as inspirações, de volta para casa. E, melhor, com os joelhos saudáveis! Não há uma fórmula, mas há indicações a fazer. Certamente é melhor prevenir do que remediar, quando se trata do momento de excesso, de descuido, onde o arrependimento e o desespero exercem seu peso.

A luz interna de cada um de nós é melhor abastecida por uma vibração positiva, que venha do coração, por um pensamento justo e honesto, com pulso firme para segurar as pontas. Nosso corpo é sangue, e por isso é água e rio que corre em nossas veias. O corpo se abastece sobretudo da água, a água que nos banha, que nos refresca, que nos hidrata, que nos sacia e entretém pelas cachoeiras nas trilhas. A água é a melhor amiga e a mãe de toda a vida sobre a Terra. A água é o berço de todo nutriente, de toda forma vegetal e animal.

Beba água. Alongue-se. Medite. Descubra seu silêncio. Encontre o momento sem preço da quietude. Para que, em meio à montanha-russa das batidas hipnotizantes, somente o melhor seja lembrado. Todo tipo de alongamento conta, toda técnica de meditação é válida, o que importa é empenhar uma força de foco, de concentração nos fluxos e mensagens interiores que vêm à tona. Respire fundo, inspire e expire profundamente, calmamente.

Arte: Alex Grey

Arte: Alex Grey

Todo estado de consciência é alterado. Não há estado de consciência fixo, imutável, pois como toda a vida que a carrega, a consciência está em equilíbrio dinâmico e eternamente flexível. Comer chocolates, fazer amor, cometer crimes ou simplesmente respirar, tudo isso altera de diversas maneiras o estado da consciência. Já somos capazes de vislumbrar um futuro em que a experiência psicodélica esteja tão incorporado à vivência humana, que se torne parte integral de nossa evolução. Por enquanto, o equilíbrio ideal entre dieta, hidratação, atividade física, mental e espiritual, depende de cada um de nós.

Alimentar-se com consciência, pensar junto com o corpo, ouvir a voz que mostra o necessário para que a vibração mantenha-se elevada. Permita que as visões tornem-se parte de você, abrace e entregue-se ao momento da suprema revelação. Abrace, em todos os sentidos, a realidade à sua volta, seu ser interior, os novos e antigos amigos e amigas, abrace-os com força, sinceramente. Há soluções mágicas e científicas em um abraço bem dado.

Há uma semente de paz guardada dentro de você, para nutri-la, vê-la crescer e dar frutos, cuide da morada da alma. Cuide das asas do espírito com dedicação, dê a ele a aventura de seguir sua luz, de ouvir o coração. Para que o melhor momento seja tatuado no fundo do ser, eternizado e celebrado com a vontade de mais uma dança.

Que linha separa alienação e iluminação, ou consciência e alucinação?

Cabe a cada um desenhar atenciosamente sua personalidade, questionar honestamente suas crenças e alcançar novos começos. Pois se existe uma certeza ao fim de cada festival, é a certeza de um novo começo.

Boa viagem.